Pesquisadores brasileiros conduziram um estudo de grande relevância para a piscicultura nacional, no qual mediram as emissões de metano em produções de tilápia (Oreochromis niloticus) em tanques-rede, considerando condições tropicais. Esse estudo é importante, uma vez que as estimativas internacionais frequentemente levam em conta condições de clima temperado, onde as emissões ebulitivas (por bolhas) dos peixes são menos comuns. Os estudos foram realizados em três afluentes secundários que deságuam no reservatório de Ilha Solteira (SP): Formoso, Cancan e Ponte Pensa, que têm capacidade para produzir anualmente 800 toneladas de tilápia no primeiro afluente e 3 mil toneladas nos outros dois.
Parte desses resultados foi publicada na revista Environmental Challenges
Aproximadamente 75% das emissões ebulitivas (por bolhas) de metano em produções de tilápia foram registradas em locais com tanques-rede, em comparação com as demais superfícies do reservatório. No entanto, essas bolhas foram eventos pontuais e não ocorreram em toda a área dos tanques-rede. A emissão de gases de efeito estufa (GEE) em reservatórios ocorre devido a processos físico-químicos resultantes da degradação da matéria orgânica e oxidação dos compostos químicos na coluna d'água e no sedimento. O metano tem uma potência 34 vezes maior do que o dióxido de carbono em influenciar o aquecimento global em um horizonte de tempo de cem anos.
Conforme Marcelo Gomes da Silva, do Programa de Bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pouco se sabe sobre a contribuição da piscicultura nos processos de emissão ou remoção de GEE em reservatórios tropicais. Uma das principais preocupações associadas às fazendas de peixes está relacionada à liberação na água de quantidades consideráveis de matéria orgânica, proveniente de alimentos não consumidos e excrementos de peixes, que pode ser convertida em GEE. Os GEE produzidos em corpos d’água são transportados para a superfície principalmente por dois mecanismos. No fluxo difusivo, os gases formados no sedimento e na água são transportados através da coluna de água para a atmosfera. O ebulitivo, originário de bolhas formadas no substrato, é liberado quando ocorre a agitação da água ou quando a bolha supera a pressão hidrostática, atravessando a coluna de água e sendo liberada para a atmosfera.
Para um resultado fidedigno, foi necessário estudar os dois transportes. O difusivo, apesar de ser comum e acontecer no reservatório inteiro, tende a ter menor emissão de metano quando comparado com a emissão por bolhas. O estudo no reservatório de Ilha Solteira mostrou que a emissão média de metano por difusão foi de 5 miligramas por metro quadrado por dia. Por outro lado, a emissão de metano ebulitivo, que é menos frequente, chegou a emitir bolhas de 5 mil a 10 mil miligramas por metro quadrado por dia. Estudos no exterior quase não avaliam a emissão por bolhas porque esta é uma característica de reservatórios tropicais, de áreas de águas mais quentes, com muita matéria orgânica disponível.
Para a inclusão dos dados nos inventários nacionais, os pesquisadores de áreas tropicais sugerem considerar as emissões ebulitivas. “Quando fazemos análise de metano, com modelagem para determinar esse fluxo de gás que sai da coluna de água para a atmosfera, ou com uso de equipamentos que medem apenas o ar atmosférico em cima do reservatório, esses métodos não conseguem pegar essas bolhas”, observa Gomes da Silva.
A grande importância desse trabalho é mostrar que além dos tanques-rede aumentarem a emissão de gás de efeito estufa na forma de metano, ampliam muito o fluxo ebulitivo, isto é, a quantidade de bolhas e o impacto pela emissão de metano. Por isso, a importância de se entender os dois transportes de gases para a atmosfera.
De acordo com Silva, observou-se que o aumento das emissões de metano esteve associado à área de produção de tilápia. O aumento foi de cerca de seis vezes para o metano difusivo e de, aproximadamente, 2 mil vezes para as emissões ebulitivas, em comparação com as áreas externas dos tanques-rede.
Aquicultura intensiva no Brasil
A aquicultura intensiva aumentou em todo o mundo nas últimas décadas, incluindo no Brasil. Com a crescente demanda por peixe como fonte de proteína, a piscicultura tem se expandido rapidamente, especialmente em regiões tropicais.
No entanto, o estudo realizado por Marcelo Gomes da Silva revelou que essa expansão da piscicultura intensiva em tanques-rede tem impactos significativos na emissão de gases de efeito estufa, principalmente o metano, que é um GEE altamente potente. A matéria orgânica liberada na água a partir de alimentos não consumidos e excrementos de peixes pode ser convertida em metano e liberada para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.
Além disso, o estudo mostrou que as emissões ebulitivas de metano, ou seja, as bolhas de metano liberadas a partir do substrato ou da coluna de água, são ainda mais significativas do que as emissões difusivas, que são o transporte de gases através da coluna de água para a atmosfera. As emissões ebulitivas foram até 2 mil vezes maiores nas áreas de produção de tilápia em tanques-rede, em comparação com as áreas externas dos tanques.
Diante desses resultados, os pesquisadores sugerem que as emissões ebulitivas de metano sejam consideradas nos inventários nacionais de gases de efeito estufa, a fim de ter uma avaliação mais precisa do impacto da aquicultura intensiva no Brasil e em outras regiões tropicais. Além disso, ressaltam a importância de compreender e monitorar tanto as emissões difusivas quanto as emissões ebulitivas de gases, a fim de implementar medidas mitigatórias efetivas e sustentáveis na piscicultura.
É evidente que a piscicultura intensiva em tanques-rede tem um papel importante na produção de peixe para atender à demanda crescente por alimentos, mas é crucial considerar e mitigar os impactos ambientais associados, incluindo a emissão de gases de efeito estufa. A adoção de práticas sustentáveis, como o manejo adequado dos resíduos orgânicos, a otimização do uso de ração, o controle do estoque de peixes e a utilização de tecnologias de tratamento de água, pode ajudar a reduzir a emissão de gases de efeito estufa na aquicultura intensiva e minimizar seu impacto no meio ambiente.
Qualidade da água
O monitoramento da qualidade da água é a principal estratégia para o manejo sustentável da aquicultura, fundamental para o planejamento das atividades e para ampliar a produção. “O aumento descontrolado da piscicultura devido à falta de políticas adequadas para limitar ou estabelecer boas práticas de manejo pode estar associado a graves problemas ambientais. Daí a importância de monitoramentos que garantam o menor impacto ambiental possível, ajudando a mitigá-los quando necessário, condição essencial para garantir a sustentabilidade do setor”, frisa Marcelo Silva.
Autores
O trabalho é assinado por Marcelo Silva, Ricardo Taniwaki, Nathan Barros, Plínio Alvalá, Danilo Garofalo, Danilo da Costa, Joaquim Ayer e Thassia Gondek, do Programa de Bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Fernanda Sampaio, Viviane Bettanin e Ana Paula Packer, da Embrapa Meio Ambiente.
Fonte: Embrapa Meio Ambiente